Escritoras indígenas lutam por valorização

Colocar em evidência a produção literária de escritoras e autoras indígenas brasileiras. É esta a missão do “Mulherio das Letras Indígenas”, coletivo que articula a produção de contos, poesias e prosas como forma de expressão artística e de preservação cultural dos povos indígenas no país. 


O grupo– liderado pela escritora, produtora cultural e professora, Eva Potiguara– busca oferecer incentivos para que autoras indígenas não apenas tenham os recursos para escrever, como também para divulgar seus trabalhos, superando desta forma a visão simplista de que não há literatura produzida pelos povos originários. “Há uma questão racista: é como se indígena não escrevesse. Então, a mulher indígena não escreve”, expõe Eva. “Outra ideia falsa é que o indígena limita-se a uma produção oral. Por uma necessidade de se colocar, o indígena teve que aprender português. A escrita está no bojo das nossas necessidades há mais de quatro séculos”, explica. 

 

A riqueza da produção, no entanto, não resume-se apenas ao português. O coletivo hoje é formado por mulheres que escrevem em 12 idiomas indígenas diferentes. “Temos mais de 80 mulheres no nosso grupo. Muitas vivem em áreas de retomada, têm mestrado e doutorado. E há muitas que nunca escreveram. Não tiveram o apoio para estudar. Não têm acesso à mídia de qualidade, internet, computador e impressora”, conta Eva. Para driblar a situação, as cunhãs escritoras utilizam o celular para escrever seus versos e compartilhar com as mais experientes. 


A temática das produções literárias passa por questões atuais como poder, identidades, linguagens e direito à terra. “A nossa escrita traz as denúncias, os protestos, a dor da mulher, as memórias de nossas mães e avós estupradas. Traz o amor à natureza, a voz da Mãe Terra, da nossa Terra Pindorama e os quatro elementos que formam esse nosso universo”, explica Eva.


Como um dos próximos projetos do “Mulherio das Letras Indígenas” está o lançamento de um e-book, publicação que já reúne conteúdo de ao menos 86 escritoras indígenas. 


Invisibilidade


Ativista das causas indígenas, Eva conta que uma das principais motivações do coletivo é enfrentar a invisibilidade histórica da contribuição artística indígena para a formação do Brasil. “Os indígenas, que aprenderam o barroco e as artes trazidas pelo branco, também foram aprendendo a se colocar no grafismo, na poética, na prosa. Contudo, esses materiais foram perdidos, queimados, extraviados, porque não eram importantes”, conta. “Quando foi fundada a Academia de Letras do Brasil em nenhum momento pensaram nos povos indígenas. Até o nome Brasil surgiu como invenção para substituir o que antes era Pindorama. O que existia antes não era levado em conta”, frisou.


Do passado para o presente, Eva diz que a luta para superar esta invisibilidade continua. “Sabemos que há leis que orientam a prioridade da literatura indígena nas escolas, mas fica no papel”, diz. “No século 21, há muitos indígenas que escrevem e escrevem muito bem. Escrevem sobre o que já se colocava no urucum e no jenipapo séculos antes: suas dores, lutas, cosmovisões. É uma escrita feita de muita coragem, perseverança e resistência. E foi por isso que chegamos até aqui”, diz a ativista. 


Valorizar o patrimônio linguístico dos povos indígenas em todo o mundo é um dos propósitos da Década Internacional das Línguas Indígenas, celebrada entre os anos de 2022 e 2032, por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). 


Iniciativas como a do coletivo  “Mulherio das Letras Indígenas” colaboram com esta missão e ajudam a proteger, somente no Brasil, a herança e o futuro de 896 mil pessoas indígenas, de 305 etnias e 274 idiomas, segundo as últimas estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 


A ONU Mulheres, agência das Nações Unidas responsável por esta entrevista com Eva Potiguara, também apoia as ações do coletivo e reconhece a importância de se ampliar a voz e a escrita dessas mulheres como forma de enfrentamento ao preconceito, a misoginia e o machismo, além da negligência com a produção das mulheres indígenas de um modo geral. 

Foto: Divulgação

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