‘A gente prevê algo em torno de 64 mil demissões', diz advogado da Fecomércio-AM sobre reforma

O advogado Milton Carlos Silva, representante da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Amazonas (Fecomércio-AM), alertou para um aumento de quase 10% nos preços de produtos comercializados no Amazonas caso os pleitos levados por ele e outros membros do setor ao Senado Federal não sejam atendidos na regulamentação da reforma tributária.


Como enviado da entidade, o advogado afirmou em audiência pública que a reforma pode ser judicializada no primeiro dia que entrar vigor caso não haja modificações no texto do projeto de lei complementar (PLP) 68/2024. Segundo ele, os setores varejistas, atacado e serviços podem ser duramente impactados. A seguir a entrevista. 


Quando o senhor fala do comércio da Zona Franca de Manaus, do que se trata especificamente? Quais são os segmentos e o que isso representa em empregos no Polo Industrial de Manaus?


A Zona Franca de Manaus tem cerca de 19 mil CNPJs. No Estado do Amazonas inteiro são 27 mil CNPJs, o setor do varejo é responsável por 19 mil. Isso só o setor do varejo. Com a reforma tributária, o setor do varejo, basicamente o comércio como um todo, não só o varejo, porque a reforma vai pegar o comércio todo, vai ser muito afetado com relação a isso. Hoje, na Zona Franca de Manaus, existe uma isenção de PIS e Cofins, não se paga PIS e Cofins para o comércio local. Antigamente, essa isenção era só para quem enviava a mercadoria de fora do Estado do Amazonas para a Zona Franca de Manaus. Por causa dessa distorção, em função da isonomia, buscou-se a Justiça e o Judiciário já tem decidido, pacificamente, para dar a isenção do PIS e Cofins para todo mundo que está dentro da Zona Franca de Manaus.


Isso já tem decisões há mais de 10 anos, já tem decisão com os tribunais superiores, não se discute mais isso. Inclusive, a Receita Federal tem até instrução normativa dizendo “não recolhe, não briga, não adianta, é causa perdida, vamos dar a isenção do PIS e Cofins para o comércio local. 


Essa reforma tributária vai substituir, vai acabar com o PIS e Cofins. Só que vai surgir uma nova contribuição, que é a CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviços. No texto do PLP 68, que vai regulamentar a reforma tributária, está cobrando novamente a CBS do comércio local. Então, o comerciante local vai pagar a CBS, só que aquela mesma situação anterior vai continuar: quem manda de fora para cá não paga.


Então, se tiver uma loja em São Paulo e mandar para o Amazonas, você não paga, só o comércio interno vai pagar a CBS. É isso que a gente está dizendo. Vai criar uma nova briga judicial se manter o texto desse jeito. Vamos entrar na Justiça contra a reforma no dia seguinte, porque é pacífico nos tribunais de instância superior com relação ao PIS e Cofins. A CBS, apesar de ser diferente, é contribuição, e é muito claro no Decreto-Lei 288, que criou a Zona Franca de Manaus, dizendo que ela é equipada para ser de exportação, e as contribuições são isentas, não paga-se contribuição para a exportação. Por isso que não se pagava o PIS e Cofins no Amazonas, e a mesma coisa com relação à CBS. É ganho de causa, é besteira manterem o PLP com esse texto, porque vai ser judicializado. A intenção nossa é que já conste no PLP, no novo texto, essa isenção da CBS para o comércio local.


Para evitar uma nova judicialização, certo?


É, porque qual o mote da reforma tributária? É justamente evitar judicialização, simplificar o processo. Então é com base no princípio da simplificação, no princípio de evitar a judicialização de tributos, porque no Brasil existem milhares de causas tributárias sendo julgadas, a intenção é justamente acabar com isso, ficar um negócio muito claro, mais fácil para o nosso contribuinte, para aquele cara que paga imposto, entender como funciona o sistema tributário hoje.


O sistema tributário atual, muita gente costuma chamar de manicômio tributário. Ele é muito maluco, você tem sempre que ter um especialista no direito tributário para poder te auxiliar, ajudar a evitar de pagar mais imposto. É justamente isso que está querendo se evitar com a reforma tributária e, do jeito que está o texto, não vai acontecer isso. O pleito da Federação do Comércio, não só a federação como da ACA [Associação Comercial do Amazonas] também, a participação da Câmara de Dirigentes Lojistas, todo mundo unido para que a gente consiga trazer esse pleito.


Também foi levantado pelo pessoal da indústria a questão do crédito presumido. O que é exatamente esse crédito?


Crédito presumido é o seguinte, você não teria o benefício se não tivesse o crédito presumido. O que acontece: no sistema atual, que é o ICMS, você paga em cada circulação de mercadorias. Então, a mercadoria sai da fábrica, vai para o atacadista, paga ICMS. Do atacadista para o varejista, paga ICMS. E do varejista para o consumidor final, paga ICMS. Então, em cada momento, em cada fase da operação, você vai pagando um pouquinho de ICMS. De acordo com o princípio de não-cumulatividade, você tem o crédito daquilo que você pagou.


Vamos supor aqui, a fábrica pagou X de ICMS. O atacadista, então vai pagar X mais Y, só que o X ele se apropria como crédito, por causa do princípio de não-cumulatividade. Então, se ele está mandando para Manaus sem o pagamento do imposto, porque tem imunidade de PIS e Cofins, o ICMS também tem uma série de benefícios, quando você manda mercadoria para cá, você não paga. Só que o comerciante local, ele tem que ter um crédito para poder se beneficiar, porque na operação interna você paga o ICMS, assim como vai continuar pagando o IBS, é normal que se pague o IBS. O que a gente está brigando é para não pagar o CBS.


Só que se não tiver o crédito da operação anterior, você vai estar pagando tudo, integral, o ICMS, então o comerciante fica em prejuízo. Esse crédito presumido, presume-se que ele tem esse crédito, por isso o nome do crédito. Então, presume-se que ele tem o crédito da operação anterior, só que a operação anterior foi isenta, porque o que vem de fora para Manaus não paga.


Além do varejo, que outros segmentos do comércio podem ser afetados por isso?


Os atacadistas eu acho que eles vão ser um dos mais afetados. A gente bate muito no varejo porque o varejo tem uma margem muito pequena, mas os atacadistas vão sumir, porque hoje uma loja de varejo aqui no Amazonas vai preferir comprar de fora direto, porque ela vai vir com todos os benefícios, do que comprar do atacadista local, então o atacadista local vai morrer, porque o atacadista local vai ter que vender com os impostos e sem o crédito presumido. Se atenderem ao nosso pleito, ele não vai pagar a CBS e vai ter o crédito presumido, aí ele já está competitivo novamente, a gente vai voltar a comprar dos atacadistas locais.


Essa reforma vai pegar também o setor de serviços, é o que mais vai sofrer com essa reforma tributária. O serviço hoje paga 5% de ISS, com a reforma tributária vai pagar 30% de CBS e IBS. Seria um alento para o serviço local também ter imunidade de CBS, reduziria para uns 17%, mais ou menos. Mesmo assim, aumentaria, porque você estava em 5% para 17%, não tem como [fugir].


Essa reforma está meio que invertendo um pouco a matriz, porque cobrava IPI das indústrias, vai ser zerado o IPI. A indústria não vai pagar mais imposto na produção. Exceto esses bens que estão produzindo na Zona Franca de Manaus, vão continuar cobrando o IPI até equilibrarem, mas vai zerar, a tendência é zerar todo o IPI. Então, a fonte que a Receita Federal tem na cobrança do IPI passou justamente para o serviço. O serviço que pagava 5% de ISS agora vai pagar 17% de IBS, vai ser igual ao comércio.


Isso pode gerar um aumento de preços? Se o projeto de vocês for atendido, pode abaixar?


No varejo, a gente fez a pesquisa: o aumento de preço vai ser de 9,7% caso não tenha esses benefícios que a gente está pleiteando. De imediato, 10%. E o que mais vai acontecer? Além do aumento do preço, os empresários tem uma margem muito curta. Então o que eles vão ter que fazer? Vão ter que remanejar. Isso significa demissões. A gente prevê algo em torno de 64 mil demissões e quase R$ 1,78 bilhão por ano, vai ser o prejuízo em relação a isso.


Vai ter perda de arrecadação, vai ter perda de salário, desemprego em massa, vai ter muitas lojas fechando. O cenário é bem preocupante, porque isso começa a virar um ciclo. Existe um ciclo virtuoso e um ciclo desastroso. Vai virar um ciclo desastroso, vai virar uma bola de neve, porque aumenta o desemprego, você vai ter uma queda no faturamento, porque vai ter menos salário, menos gente comprado, menos faturamento, mais redução de emprego. Vai caindo até que um ponto vai fechar, a parte do comércio vai se encerrar.


O senhor saiu da audiência mais confiante de que isso pode ser mudado?


A nossa percepção é que uma das sortes que o Amazonas tem, que a Zona Franca de Manaus tem, é que o relator é o senador Eduardo Braga. Ele está a par disso, ele está ciente. Logo na abertura da audiência pública ele já falou a respeito do tema do comércio, porque a gente já vem conversando com o senador há um bom tempo. A bancada do Amazonas está muito unida, ela sabe desses problemas, então a gente tem bastante confiança. O que falta agora mesmo é a gente conseguir convencer o resto dos senadores.


A gente está confiante, mas obviamente realista. A gente sabe que tem muita gente que não gosta da Zona Franca de Manaus. É um passo de cada vez, a gente tem que ter o pé no chão, apresentar os números. A gente está fazendo um trabalho bem específico agora para poder apresentar os números para convencer os outros senadores, para que todos eles possam ter noção do prejuízo que isso vai causar, não só para o Amazonas, mas para o Brasil inteiro.


Porque a gente sabe que o modelo Zona Franca de Manaus é o grande responsável pela preservação da floresta. Sem a Zona Franca, o que vai acontecer? As pessoas tem que sobreviver de alguma forma, vão começar a desmatar a floresta. Então a gente precisa dos incentivos para poder sobreviver. Querendo ou não, Manaus hoje é uma ilha no meio de uma floresta, em vez de ser cercada por água e a gente não tem estradas. É difícil, normalmente, vir coisas por estrada, sempre é aéreo ou fluvial. Manaus tem uma peculiaridade muito grande.


Se quiser continuar preservando a floresta, seria interessante manter a Zona Franca de Manaus. São coisas que tem que ser discutidas pelos parlamentares, pelo Brasil inteiro, porque é um projeto de nação. Eu, particularmente, tenho muito orgulho do Brasil, é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo. É falácia internacional querer botar a culpa no Brasil. O Brasil é o país que mais preservou sua floresta, 95% do território do Amazonas é floresta preservada e é isso que a gente tem que continuar.


A regulamentação sai ainda esse ano?


Vai sair, até porque é interesse do governo. O governo quer e precisa, porque tem alguns prazos que foram colocados na emenda constitucional. Então, se não sair esse ano, já começa a prejudicar toda a emenda que foi feita, toda a reforma tributária. É necessário que saia esse ano porque, para o ano que vem, precisam vir outras leis. Primeiro mexe na Constituição, depois cria a lei complementar para regulamentar e ela vai dar um arcabouço para a matéria como todo e agora vem as legislações locais. Sem a legislação federal, você não tem como manter a legislação local, e ela precisa estar pronta até 2025.


Se não ficar pronta em 2025, não tem reforma em 2026. Em tese, já começa a valer a reforma tributária em 2026, a gente já vai ter um sistema aí. Vai começar a redução do IPI, vai começar a pagar o IBS como modelo numa alíquota bem baixa, só para a gente começar a testar. O governo está fazendo de tudo e eu acredito que é de interesse maior do governo fazer com que isso aconteça. Se não sair, já é um desastre, uma derrota muito grande para o governo e bem ruim para a reforma tributária.

Fonte: com informações da Acritica